23/11/2008


Em tempos de Barack Obama, comemoração do Dia da Consciência Negra (no Brasil) e hipocrisia fantasiada de "ser politicamente correto", faz-se mais do que necessário refletirmos e discurtirmos até onde o preconceito está infiltrado em nosso ideal de cidadãos.
Abaixo um artigo (por sinal, brilhante!) de Luiz Fernando Veríssimo, em que ele descreve as diferentes abordagens do racismo no mundo.

PS: O texto faz parte do livro "O Mundo É Bárbaro - E o que Nós Temos a Ver Com Isso", da editora Objetiva, lançado no ínicio deste ano.

Espero que gostem !

Suzana Matias

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A Questão

É difícil imaginar um negro como Barack Obama sendo eleito presidente - do Brasil. Dos Estados Unidos, talvez. Lá um negro já chegou a secretário de Estado, e foi substituído no cargo por uma negra. Desculpe: afro-descendente. Pelo menos não escrevi "um negão como Barack Obama", ou, para mostrar que não sou racista, "um negrinho".

A diferença entre um país e outro é essa. Lá o racismo é uma questão nacional. Aqui uma ficção de integração dilui a questão racial. E se a questão não existe, se ninguém é racista, por que nos preocuparmos com denominações corretas ou incorretas? Só quando a ficção é desafiada, como no caso das cotas universitárias, é que aparece o apartheid que não se reconhece.

Um dos marcos das relações raciais nos Estados Unidos não foi a primeira vez em que um negro interpretou um herói no cinema, provavelmente o Sidney Poitier. Nem a primeira vez em que um negro e uma branca, ou vice-versa, namoraram na tela. Foi a primeira vez em que um negro foi o vilão do filme. Colin Powell e Condoleezza Rice, que chegaram a secretários de Estado, e o próprio Obama, devem suas carreiras a esse vilão histórico, que significou o fim dos estereótipos e a aceitação, sem melindres, de que negro também pode ser ruim, igual a branco. Se a cor da pele não determinava mais que ele fosse sempre retratado como um inferior virtuoso ou uma vítima, também não o descriminava de outras maneiras. Powell e Rice levaram essa reversão de esteréotipos ainda mais longe. Os dois são do partido republicano. Como Clarence Thomas, único juiz negro da Suprema Corte americana que também é um dos seus membros mais conservadores.

Claro que a cor da pele vai ser um fato na eleição ou não do Obama, como o fato de ser mulher vai ajudar ou não a Hillary. Por isso mesmo, sua possível eleição seria uma prova dessa transformação da questão racial no país, uma vitória numa guerra por direitos iguais que lá - ao contrário do Brasil - nunca foi disfarçada, ou desconversada. Aqui a miscigenação significou que alguns quase-negros, ou só um pouco afro-descendentes, chegassem ao poder, mas miscigenação entre nós não tem significado integração por vias naturais, e sim apenas outra forma de despolitizar e adiar a questão.

Obama será o candidato dos democratas? Estão comparando sua campanha com a de Bob Kennedy, pelo entusiasmo que provoca numa faixa de idade que não se interessava tanto por política desde a mobilização contra a guerra do Vietnã. Li que 40 por cento dos americanos que podem votar este ano nunca conheceram outro presidente que não fosse um Bush ou o Clinton, e Hillary seria outro Clinton nessa dança de dinastias. Assim, Obama seria uma novidade em mais do que o sentido racial. Como se precisassem outros.

Na comparação com Bob Kennedy, claro, ninguém ainda lembrou (pelo menos não sem bater na madeira) que aquela novidade terminou numa poça de sangue, no chão de uma cozinha de hotel. Batamos todos na madeira.

3 comentários:

Pequeno Luiz disse...

a maior parte do preconceito está dentro daqueles que acham que sofrem... ficam vigiando as palavras que são referidas a elas... uma pena

http://infocasa.blogspot.com

Anônimo disse...

só espero que nada disso acabe em morte ou sensacionalismo demais. espera-se muito de Barack Obama e pode crer que se ele cometer um erro, ou vao perdoa-lo por ser ele negro ou linchá-lo pelo mesmo motivo. acho uma hipocrisia o dia da consciencia negra no Brasil. ninguém dá bola pra isso, e acredito que ha muito o que se fazer pra que esse dia realmente seja importante por aqui.. la nos EUA, o dia da consciencia negra foi no dia em que votaram em Barack Obama.

Eduardo Carraro disse...

Obrigado pelos comentários no meu blog, Suzana!

Aliás, de vez em quando eu posto o texto de alguém por lá. Amigos, blogueiros e tal. Já está convidada a participar. Sei que meu blog não é a Folha (hehehe), mas sei lá, é uma forma que eu achei de "interagir" com o pessoal que lê o blog!

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Sobre o texto, bom, acho que você já sabe a minha posição, já que foi motivo de postagem no meu blog... o preconceito existe, é burrice negar isso. Contudo, há preconceito dos próprios "afro-descendentes"(pra mim um termo mais pejorativo e discriminatório do que "negro", porém é um termo "oficial").

E, como eu disse no meu blog, o tal sistema de cotas é, pra mim, bastante preconceituoso. Dos "afro-descendentes" para com os "caucasianos" e dos "caucasianos" para com os "afro-descendentes", literalmente chamando-os de menos capazes.

Outro preconceito a ser derrubado são esses termos bobos também. Branco é branco, negro é negro e ponto. Enquanto isso não acontecer, continuamos tapando o sol com peneira.

Beijos.